Outubro 30, 2021
Propostas APAP para o Plano de Recuperação e Resiliência: Recuperar Portugal, construindo o futuro
INTRODUÇÃO
Trata-se da divulgação de um documento com um curtíssimo prazo de consulta pública.
Estamos perante um documento financeiro que pode alterar profundamente num futuro próximo as condições de vida e da sustentabilidade económica, social e territorial.
Para o efeito é necessário agir dentro das competências que nos parecem fundamentais e que vão muito para além do modelo corporativo e sectorial relacionado com as emergências actuais, que o documento também apresenta. Alertamos para a necessidade de não se repetirem erros de um passado recente, nomeadamente a acumulação dos investimentos em infraestruturas se não houverem ou garantirem condições efectivas de gestão e recuperação das nossas paisagens, como garante da real coesão territorial e consequentemente do progresso económico e social do país
Sem ordenamento do território, as palavras, sustentabilidade, resiliência, ou coesão, rapidamente ficam vazias de sentido.
Na visão estratégica que antecedeu o plano, já era ausente um entendimento da realidade territorial assente num sistema ou seja numa visão integrada das políticas relevantes, como o ordenamento do território, a agricultura, a água, os recursos naturais e culturais, a conservação da biodiversidade, o turismo, que a nosso ver deveriam servir como base de lançamento do programa.
Nos passos seguintes assistiu-se à inclusão da agenda da administração pública, seguindo-se uma prensagem de todo o documento sob os desígnios e objectivos da política europeia
ANÁLISE
Não deixa de ser curioso que o PNPOT (Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território), um dos documentos orientadores do planeamento no país, seja somente referido no C7, (infraestruturas) para reconhecer a tendência de desertificação do território do interior, e seguidamente, passo a citar “um dos factores estruturais mais importantes para uma harmoniosa política de ordenamento do território é sem dúvida o modo como se encontra organizada a rede viária”, como é que é possível ser produzida tout court esta afirmação.
No caso do Pacto Ecológico Europeu, (1º Pilar, Transição verde), um documento central na nova política europeia, é referido somente nos termos que são oportunos para o Plano Nacional de Energia e Clima 2030, quando todos sabemos que o PEE é muito mais do que isso, e a aplicação extensiva nas suas várias vertentes é fundamental para uma realidade sustentável.
PROPOSTA 1
É justamente à luz do Pacto Ecológico Europeu, que a APAP vem repor. no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, uma proposta realizada há uns meses por um grupo de arquitectos paisagistas, em carta aberta ao Primeiro Ministro.
A defesa da nossa paisagem, pode ter neste momento uma oportunidade chave que passa pela nova estratégia para a biodiversidade (Nature Based Solutions), apresentada pela Comissão europeia, com financiamentos muito significativos, e neste contexto o combate à perda da biodiversidade, envolverá para além da protecção, o restauro das infraestruturas verdes.
Nomeadamente considera a Nova Estratégia Europeia para a Diversidade, que devem ser feitos investimentos prioritários na Rede Natura 2000 e nas Infraestruturas Verdes de, pelo menos, 20 mil milhõesdeEUR por ano e propõe que parte dos 25 % do orçamento da UE consagrado à acção para o clima, seja investido na biodiversidade e nas soluções baseadas na natureza (Nature Based Solutions).
Com base no conceito de “Continuum naturale”, já previsto na lei de bases do ambiente de 1987, alinhada com o pensamento de Gonçalo Ribeiro Telles, foi recentemente proposta a criação de uma estrutura contínua no território que inclui as áreas anteriormente classificadas ou protegidas por lei, com vista à sua requalificação.
Esta estrutura da paisagem, denominada Infraestrutura Ecológica – IE, pelos autores, será garante da sustentabilidade ecológica, resiliência aos incêndios, conservação dos recursos naturais e das funções representadas pelos serviços prestados pelos ecossistemas, e incluirá em si os fragmentos correspondentes às áreas protegidas, às reservas ecológica e agrícola nacionais e a estrutura ecológica, como génese de uma rede fundamental nacional e europeia.
Para o efeito será necessário
- Delimitação e qualificação desta nova infraestrutura ecológica IE;
- Introduzir ou abrir espaço para a IE no programa de recuperação económica e social;
- Uniformização da legislação, envolvendo critérios de gestão e coordenação sobre todos os componentes da infraestrutura ecológica e respectivos regimes jurídicos;
- Integração desta infraestrutura nos planos e instrumentos de gestão territorial e planos de gestão financeira;
- Estabelecer um corpo de gestão (governação) da IE, sem sobreposição de funções, assim como instrumentos de avaliação e acompanhamento;
- Criação de sistema de pagamentos dos serviços de ecossistema prestados pelos proprietários em áreas da IE.
PROPOSTA 2
No capítulo Resiliência, na Componente 8 (Florestas), o actual plano propõe:
Promover Programas de Investimento:
Envolvendo o ordenamento e gestão viva dos espaços florestais, Proteger a biodiversidade, Contribuir para a coesão territorial e criação de emprego, e Aumentar a resiliência dos territórios de floresta e a segurança das pessoas, animais e bens,
Para atingir esses fins, segundo o actual plano, será necessário a Transformação da Paisagem dos Territórios de Floresta Vulneráveis, através da implementação do Programa de Transformação da Paisagem (PTP), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 49/2020, de 24 de junho, com quatro medidas programáticas.
- Programas de Reordenamento e Gestão da Paisagem (PRGP)
- Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGP)
- Condomínio de Aldeia
- Programa “Emparcelar para Ordenar”
A APAP, consciente da relevância da paisagem do seu significado e potencial nas políticas de ordenamento mas também na abordagem pioneira que envolve a paisagem no actual contexto da RCM 49/2020, vem por este meio colocar a possibilidade da constituição de um núcleo técnico de trabalho na aplicação do Programa de Transformação da Paisagem, na qual a APAP se disponibiliza e com todo o empenho estar presente nos trabalhos.
Será uma oportunidade histórica e se inverter o processo de secundarização da paisagem através de um debate progressivo na procura de uma nova cultura do território, promovendo uma consciência colectiva sistémica. Referimo-nos a uma comunicação aberta entre a biodiversidade, o património cultural, a água, o solo, a floresta, o equilíbrio e preservação dos ecossistemas e do desenvolvimento integrado das comunidades humanas e da gestão do território enquanto paisagem.
Deste modo tendo a paisagem como referência se alcançar uma estratégia sobre o ordenamento do território ou sobre as múltiplas dimensões do sistema paisagem e fazer recair o seu sentido integrador no caso concreto da (componente 8 do PRR) sobre os espaços florestais.
Como sugestão complementar, este núcleo de trabalho, também poderá vir a contar com a presença simultânea da Comissão de Acompanhamento de Arquitectura e a Paisagem – CAAP, da PNAP – Política Nacional de Arquitectura e Paisagem, da DGT (Direcção Geral do Território).
PROPOSTA 3
4º Pilar, Coesão Social e Territorial
O upgrade tecnológico da comunidade educativa nacional, deverá incluir a necessidade de promoção de uma cultura de base ecológica e sistémica, envolvendo conhecimentos práticos de produção agrícola ao nível primário e secundário. A digitalização deve ser partilhada com o conhecimento real nos domínios da agricultura, tendo o solo como recurso fundamental, e estabelecendo desde cedo decisões estratégicas sobre a gestão deste recurso.
Neste contexto julgamos oportuno rever um documento essencial na sua definição original.
A Lei de Bases do Ambiente de 1987 (Lei n.º 11/87, de 07/04) a qual colocou, pela primeira vez a questão da salvaguarda do solo agrícola como uma questão central. De facto, esta salvaguarda é claramente expressa pelo conteúdo do nº 1 do seu artigo 13º: “a defesa e valorização do solo como recurso natural e determina a adoção de medidas conducentes à sua racional utilização, a evitar a sua degradação e a promover a melhoria da sua fertilidade e regeneração, incluindo o estabelecimento de uma política de gestão de recursos naturais que salvaguarde a estabilidade ecológica e os ecossistemas de produção, protecção ou de uso múltiplo e regule o cicloda água”
PROPOSTA 4
Identificamos aqui dois capítulos que articulam em si, uma proposta comum
C4 – Eliminação das Bolsa de Pobreza em áreas Metropolitanas – Dimensão de intervenção no espaço público e infraestruturas sociais
PROPOSTA 4A
Na regeneração de áreas desfavorecidas a requalificação física do espaço público ou no reforço das infraestruturas sociais, deverá ser promovida a necessidade de estabelecer uma cadeia de produção de alimentos. Neste caso referimos (produção, processamento, distribuição, comércio para consumo final e gestão de resíduos) que assegure e promova um ambiente saudável, de dinamismo económico, de coesão social e de saúde pública na Área
Por sua vez
C5 – Investimento e Inovação – Agenda de investigação e inovação para a sustentabilidade da agricultura, alimentação e agroindústria
“inovação e transferência de conhecimento e tecnologia no sector agropecuário, agroalimentar e agrícola, promovendo o crescimento, de forma sustentável e resiliente, baseado no conhecimento e na inovação. Nesse contexto, tem como objectivos contribuir para:
- i) uma população mais saudável, através da promoção de um sistema alimentar mais sustentável; ii) uma agricultura mais inclusiva, igualitária e integrada”
PROPOSTA 4B
Actualmente a integração do solo agrícola no ordenamento do território e no planeamento urbano não tem sido acompanhada com estratégias coerentes de uso, mesmo quando este solo urbanizável é solo agrícola fértil, ou seja o regime jurídico da RAN não é aplicável aos solos de elevado potencial agrícola integrados nos perímetros urbanos,
Em resposta à agenda de inovação para a sustentabilidade da agricultura do plano, propomos um planeamento estratégico com vista ao desenvolvimento urbano-rural sustentável, com base na re-territorialização dos sistemas de produção-consumo através de cadeias de abastecimento mais curtas e eficientes, promovendo o desenvolvimento urbano sustentável territorialmente ancorado
A disponibilidade de alimentação deve ser encarada como condição básica de sobrevivência, coesão social e contributo para a fixação de populações e atividades económicas não integra os parâmetros de referência do ordenamento do território.
PROPOSTA 5
Faixas de gestão de combustível – rede primária.
Segundo o PRR, ao nível das faixas de gestão combustível serão realizados investimentos visando:
- a implementação da rede primária de faixas de gestão de combustível (RPFGC) para isolar focos de ignição de fogos;
- a redução dos efeitos de passagem dos incêndios, protegendo vias de comunicação, infraestruturas e equipamentos sociais, zonas edificadas e povoamentos florestais de valor especial;
- a diminuição da superfície percorrida por grandes incêndios, compartimentando a paisagem e dificultando a passagem do fogo para facilitar as operações de combate directo e indirecto ao fogo;
A nossa proposta reside na necessidade urgente de serem integrados profissionais nos organismos que supervisionam e monitorizam os territórios rurais. Estes profissionais devem ser conhecedores das realidades mesológicas e culturais e das dinâmicas das paisagens.
A sua capacidade passa pelo equilíbrio entre a observação da legislação e os valores existentes e que constituem a paisagem, muitos deles construídos e plantados para cumprirem os mais elementares desideratos da qualidade ambiental.
Somente assim se poderá conter a destruição cega que tem sido levada sobre as estruturas vegetais, em caminhos, trilhos, estradas e em muitas povoações, fazendo tábua-rasa de tudo aquilo que se encontra nas malhas de DL .114 /2107 ou o DL 10/2018.
Organismos como o ICNF ou mesmo as autarquias, deverão estar claramente servidos com técnicos que possam traduzir a legislação sem uma visão exterminadora do muito trabalho realizado, para que a nossa paisagem contrarie o deserto, agora climaticamente mais próximo.