Maio 5, 2023

Posicionamento APAP sobre a proposta do Governo de reforma dos licenciamentos

Simplificar e Recuperar

Depois da Proposta de Lei, de alteração do CCP, do verão passado, que pretendia estabelecer um regime de excepção como princípio, à modalidade de concepção-construção na compra pública, e que após viva controvérsia institucional veio a ser retirada, o programa Simplex, na seu propósito de modernização administrativa transversal, acelerado pelo PRR e a crise da habitação, vai tentando pela vias mais imaginativas propor cenários de desburocratização e flexibilização, as quais necessitam de leituras atentas com riscos de nos depararmos com mecanismos que podem ser profundamente penalizadores dos interesses públicos e das gerações futuras.

É caso do pacote de medidas “Reforma dos licenciamentos do Urbanismo, Ordenamento do Território e Indústria”, apresentado na passada sexta-feira pela Ministra da Habitação e pelo Secretário de Estado da Digitalização e Modernização Administrativa, onde escamoteada entre medidas consensuais sobre a simplificação e uniformização das operações urbanísticas, que somente pecam por tardias, se encontra a questão referente à escassez de solos urbanos e edifícios para habitação, para a qual é preconizada a reclassificação de solo rústico para solo urbano nas zonas contíguas a este.

Esta medida coloca em risco décadas de trabalho de planeamento e os mecanismos base do ordenamento do território. Será andar para trás no tempo, com riscos de abrir um caos na gestão urbana e do território, e se perder o sentido da qualidade da paisagem como espaço de vida.

Está em causa o que se foi construindo nas últimas décadas, desde os ciclos de recuperação do fundo de fertilidade do solo e da água, da protecção dos solos de maior qualidade, do relevo natural e do coberto vegetal, da protecção das áreas fundamentais ao funcionamento dos ecossistemas e dos lugares de interesse cultural que no conjunto configuram as reservas ecológica e agrícola (RAN e REN) e a estrutura ecológica em geral.

Está também em causa a actual a estrutura verde urbana, consagrada nos PDM´s, do suporte ao desenho das novas mobilidades, do espaço da agricultura urbana e do lazer, neutralizando as medidas de coesão social em curso nas cidades e periferias.

Em causa está aplicação do DL 31/2014 que estabelece a base da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo

Para trás fica o debate democrático sobre o património comum e o acesso à qualidade de vida das populações como direito constitucional

A escassez de solo para habitação em áreas metropolitanas não é novidade, e há décadas que a pressão imobiliária se faz sentir, seja para habitação a custos controlados seja para o mercado imobiliário. No entanto sob a capa do déficit de solo para habitação acessível, estará subentendida certamente muita outra área para fins de mercado.

A resolução do problema da habitação, não pode nem deve ser feito à custa do mosaico sobrevivente à mancha actualmente construída. O solo rústico não deverá ser entendido como reserva sine die para a construção, como temos assistido na progressão de muitos planos.

Perante estes factos vem a Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas –  APAP interpelar o Governo :

  • Como será tramitada tal reclassificação face aos IGT’s vigentes?
  • Como se estabelece o critério de contiguidade e quais os seus limites / balizas?
  • Como é acautelado neste processo de reclassificação a salvaguarda das Reservas Nacionais – REN e RAN – bem como a salvaguarda de valores de património cultural e/ou paisagístico?
  • Como se enquadram os convénios e pactos internacionais assinados em resposta à crise climática actual?

Em lugar da alienação ou anexação do solo rural ou rústico precisamos exactamente de inverso do que é proposto. Do apoio às políticas públicas na sustentabilidade ecológica do território, à conservação dos recursos e mitigação dos riscos naturais, medidas sérias estendidas no tempo, para evitar o abandono das paisagens, aos desafios das alterações climáticas, minimizando a dependência alimentar e a perda acelerada biodiversidade.

Será necessário haver coragem e conhecimento dos decisores e técnicos para promover políticas públicas de revalorização territorial, envolvendo as micro-economias agrícolas, através de instrumentos e processos de planeamento de gestão e financiamento, atenuando riscos e garantindo incentivos e confiança de auferir rendimentos, onde o PEPAC pode ter um papel importante e em articulação com o processo em curso da construção da infraestrutura-verde com tudo aquilo que ela pode significar na defesa e promoção dos solos rústicos como fragmentos correspondentes às áreas protegidas, reservas ecológica e agrícola, da qualificação dos espaços expectantes, do desenho das novas mobilidade, afectação de novos equipamentos e infraestruturas, numa aposta de criação de activos ambientais que reverterão para a valorização geral do espaço, desde a freguesia até à região.